sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A Poesia das Intermitências

Não é por brincadeira que costumo falar aqui da «nobre arte do engate». A coisa é uma arte como outra qualquer, tão capaz de causar deslumbramento com a complexidade e o brilhantismo que exige como um quadro de um bêbado, ou um poema de um panasca. Gajo que é gajo é artista: e se não for porque faz odes à guerra ou marchas para paradas militares, é porque cria com perfeição a situação da gaja segura.
Ah, como é gratificante vermo-nos numa situação de gaja segura! De início o esforço é complicado: é preciso aquele exercício permanente de tradução de Português para para aquilo-que-a-moça-quer-ouvir-ês, língua onde «o teu rabo clama por palmadas» passa a ser «és maravilhosa», onde «quer afogar-me nas tuas mamas» vira «o teu sorriso é um céu», onde «vamos, filha, ajoelha e brinca com o Zezinho» é «aquilo de que mais gosto em ti é a tua personalidade». Muitos homens soçobram nesta parte, indispostos ao esforço tradutor: mas o que dá alento aos que resistem é saber que, quando conseguiram dominar o aquilo-que-a-moça-quer-ouvir-ês como uma língua materna, acharam a chave para abrir muitas portas - sobretudo portas de quartos, com chantilly e algemas na mesa de cabeceira.
Mas não chega este esforço de tradução para a assegurar. Com ele a menina tira a roupa muitas vezes, mas só com a poesia da intermitência a tirará sempre: quando o gajo a adular num dia, e não falar noutro; quando a possuir à bruta, e não telefonar depois; quando sair com ela, e depois se esquecer; quando tiverem contacto e se cortar a ligação - quando tudo isto suceder, ter-se-á nela, permanentemente, um estado de excitação ansiosa, e uma dúvida perene sobre as reais intenções do homem: «esteve comigo e depois não ligou. Mas esteve e não avançou. Se calhar basta-lhe estar comigo e não quer avançar. Ohhh, tão querido! Da próxima dou-lhe o toque e ele avança, em recompensa». Sim, menina que assim pensas, «em recompensa», sim, mas do nosso esforço e talento no uso da intermitência.
Falar outra língua e gerir expectativas, eis no que se resume o ter gajas na mão. Quem souber fazer bem as duas coisas chega ao nível máximo do vilelismo. Quem nasce como eu, suplanta-o por volta dos 13 anos.